sábado, 21 de fevereiro de 2009

Quer ver o Pai

Hoje a minha filha
Quer ver o pai.

Com tantos quereres fáceis
E disponíveis
Em papéis,
Em palavras,
Em partes iguais
De afetos regulares
Distribuídos entre paixões
E partituras apaixonadas,
Haveria de ser, ainda,
A música de minha filha
A música de prantear o pai.

Há passeios
E há parques
Repletos de domingos
Que se esticam dentro
De bolhas de sabão
Até estourar
Um pai de água com sabão
Na palma da mão
Direita de minha filha.

Hoje a minha filha
Não quer panturrilhas
Parecidas com as do pai.

Minha filha não quer
Ser parecida com o pai.
Minha filha quer puxar o pai

Pelas pernas
Debaixo de terras ternas
Como se puxam raízes
De batatas.

E hoje há um pedaço
De coisas no prato
Que não posso morder
Sem prejuízo
Dos meus dentes paternos.
Há um pedaço de carne
No rosto de minha filha.

Há carinhos póstumos
Guardados para a terra.

E hoje a minha filha
Quer ver o pai.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Rendez-vous

Até os teus silêncios são coleções de tempo fora do tempo. E vou te colecionando, aos poucos, mas sempre, incansável, onde puder achar de ti uma figura que eu não tenha no meu álbum de coisas indizíveis...

quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Tiquetaqueando...

Dava corda à caixinha de música, à espera da carta de 14 de agosto:

"A Babel onde estamos, muito antes de ser torturante, é bela..."

terça-feira, 11 de novembro de 2008

Zero... Com louvor!

No primeiro dia de férias, inicia uma coleção de barquinhos de papel. Azul. Amarelo. Verde. Rosa.

No último dia de férias, um barco gigante e pesado – de pautas longuíssimas e cor nenhuma – cai sobre os barquinhos coloridos.

Depois, é somar sis-te-ma-ti-ca-men-te os mortos dos barquinhos e entregar ao mestre o resultado.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Madeira de Cerejeira

Há vários métodos pelos quais um pobre cristão pode procurar cumprir expiação por seus pequenos pecados. Um deles – talvez não exatamente o mais ortodoxo, mas certamente um dos mais eficazes – consiste em trancar-se num cômodo vazio e impor a si próprio a divina tarefa de desempenar uma peça triangular de madeira de cerejeira (entre os babilônios, era intolerável a mera possibilidade da existência de uma geometria mais rígida que a de um triângulo – bem como a de outra mais flexível que a de um círculo – e acreditava-se que, de algum modo secreto, o número de circunstâncias às quais um homem poderia se sujeitar, ao longo de sua vida, aumentaria com o número de suas arestas). Duas horas depois de iniciada a empreitada, a paciência bate à porta; três horas depois, o arrependimento. Este último vem ter com o perdão e outros credos.

Certo é que ali haverá inquisição. Todas as expressões de candura e mansidão que o indivíduo possa querer impor ao seu semblante – com a finalidade única de comover o tribunal – restarão inúteis. Será esconjurado; e tudo o que nele servir ao opróbrio e ao escândalo deverá, antes, servir ao jejum e às ofertas de sacrifício.

Enquanto estiver assistindo à queima das cerejas, o cristão praguejará e tornará a praguejar. Mas, finalmente, serão redimidas todas as suas injúrias. Quanto à peça de madeira, esta sairá do cômodo desempenada e pronta para fazer as vezes de aparador da sala de jantar.

***

E haja madeira-que-há! O homem é cheio de devastações. O macaco também.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Um grito!

Falar a verdade é assim:

No início, é tudo uma questão de técnica; depois, basta repetir o processo mecanicamente: é uma questão de vício.